A discussão sobre a redução da jornada de trabalho no Brasil ganhou força com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que sugere um limite de 36 horas semanais, distribuídas em quatro dias. A proposta, que busca alinhar o país a tendências globais observadas em nações como Bélgica e Escócia, enfrenta desafios específicos do mercado brasileiro. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituída em 1943, estabeleceu uma jornada padrão de 44 horas semanais e, desde então, debates sobre ajustes na carga horária têm esbarrado na complexidade das dinâmicas econômicas e sociais locais. O alto custo de contratação, aliado a modelos tradicionais de operação, desafia a viabilidade de uma transição que afeta diretamente tanto trabalhadores quanto empregadores.O debate sobre a proposta continua, com impacto potencial para redefinir o futuro das relações de trabalho no Brasil.
Para Caren Benevento, sócia do escritório Benevento Advocacia e pesquisadora do Grupo de Estudos do Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo, a redução da jornada exige planejamento criterioso. "A proposta impacta setores que dependem de escalas contínuas, como o comércio, e pode comprometer a renda de trabalhadores que recebem comissões. Pequenas empresas, que representam 90% do mercado formal, enfrentarão dificuldades para arcar com custos adicionais, o que tende a ser repassado ao consumidor final", avalia Caren.
Outro reflexo da medida é o aumento da pejotização, prática que visa contornar encargos trabalhistas. Embora legal quando respeita critérios de autonomia, a pejotização muitas vezes mascara relações de subordinação estrutural, comprometendo os direitos dos trabalhadores. "A pejotização é válida, e isso já foi reconhecido pela Suprema Corte, mas desde que o trabalhador tenha autonomia real. No entanto, muitos casos evidenciam vínculos empregatícios disfarçados", alerta a advogada.
Além disso, a automação e o avanço da inteligência artificial já pressionam o mercado de trabalho, tornando a redução da jornada um desafio ainda maior para setores que precisam manter alta produtividade com custos controlados. "Há um custo previdenciário relacionado a cada empregado, o que significa que, quanto maior a quantidade de empregados, maior a carga tributária. Num cenário em que a redução da jornada consequentemente resulte no aumento do número de empregados, fará mais sentido maior investimento em IA, gerando desemprego", acrescenta Caren.
A advogada conclui que o foco deve ser equilibrar produtividade e direitos trabalhistas: "Antes de reduzir a carga horária e atribuir um teto em âmbito nacional, deveria haver mais incentivo para as negociações entre empresas e empregados, com participação de sindicatos, valorizando a negociação e os acordos coletivos, cujas regras seriam adaptadas a cada setor da economia, criando condições para que as empresas se adaptem sem prejuízos."
Sobre Caren Benevento
Advogada com mais de 20 anos de experiência é especializada em processos judiciais e negociações trabalhistas do setor bancário, além de gerenciamento de passivo judicial. Há 15 anos assessora empresas em questões consultivas e contenciosas, com foco em relações de trabalho, áreas empresarial, societária e de governança corporativa. Possui certificação pela International Association of Privacy Professional (CIPM), onde atua auxiliando empresas na conformidade com a LGPD. É pesquisadora ativa no Grupo de Estudos do Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (GETRAB-USP). Profissional com diversas especializações na área jurídica, incluindo Direito Empresarial pela FGV Direito SP, Proteção de Dados (LGPD e GDPR) pela FMP - Fundação Escola Superior do Ministério Público, Negociações Empresariais pela FGV Direito SP, Direito Previdenciário Empresarial pela ESA OAB-SP, Compliance Trabalhista pela FGV Direito SP, além de uma especialização em Direito e Processo do Trabalho pela CEU Law School.
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