Do legado de Leão XIII ao possível impacto de Leão XIV no mundo do trabalho

Em 1891, a Igreja Católica ingressou definitivamente no debate sobre as transformações do mundo do trabalho com a publicação da encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII. Pela primeira vez, uma autoridade papal se pronunciava de forma sistemática sobre a questão social, as desigualdades provocadas pelo avanço industrial e os direitos e deveres tanto do capital quanto do trabalho. Era o nascimento oficial da Doutrina Social da Igreja, que influenciaria não só católicos, mas também diversos pensadores e formuladores de políticas públicas ao longo do século XX.

Leão XIII não estava sozinho: suas ideias foram fortemente inspiradas por Wilhelm Emmanuel von Ketteler, bispo alemão que já defendia os direitos dos trabalhadores sob uma ótica cristã. A Rerum Novarum lançou princípios revolucionários para a época, como o direito à associação dos trabalhadores, a crítica tanto ao socialismo ateu quanto ao capitalismo selvagem, e sobretudo, o princípio da subsidiariedade — ou seja, a defesa de que as decisões devem ser tomadas o mais próximo possível da base da sociedade, não por instâncias centralizadoras e distantes.

Participei, em 1991, como estudante de Ciências Sociais na Fundação Santo André, dos debates que marcaram o centenário da Rerum Novarum. Aquela efeméride não apenas revisitou os ensinamentos de Leão XIII, como também nos convidou a refletir sobre a continuidade desses princípios por seus sucessores: Pio XI com Quadragesimo Anno, João XXIII com Mater et Magistra, Paulo VI com Populorum Progressio, João Paulo II com Centesimus Annus. Todos atualizando a mensagem social da Igreja frente aos desafios de seu tempo.

Agora, em 2025, com a recente escolha de Leão XIV como novo pontífice, o mundo observa com atenção quais caminhos ele pretende trilhar. Em meio a uma sociedade marcada por avanços tecnológicos, precarização do trabalho, inteligência artificial e crise ambiental, a expectativa é que o novo Papa possa oferecer uma mensagem social renovada e ousada, inspirada nos pilares lançados por Leão XIII.

Se Leão XIII teve a coragem de enfrentar os dilemas do seu tempo e propor uma visão humanista e equilibrada das relações de trabalho, o mundo precisa hoje de uma liderança espiritual capaz de dialogar com as dores e esperanças de milhões de trabalhadores que vivem sob a incerteza de um mundo cada vez mais automatizado e desigual. O legado que Leão XIV pode deixar no mundo do trabalho será medido não apenas pelas palavras que escolher, mas pela coragem de confrontar os desafios de nosso tempo com compaixão, ética e visão.

Que ele esteja à altura desse chamado.

Marcelo Dantas da Fonseca
Coordenador da Rede de Gestores de RH do ABC, editor-chefe do Observatório do RH, formado em Gestão de Recursos Humanos pela Faculdade Anchieta, pós-graduado em Marketing pela FAVENI. Atuou como Secretário de Desenvolvimento Econômico, Emprego e Renda de Ribeirão Pires (2010-2012) e como Diretor de Qualificação Profissional em Mauá (2013-2015). Especialista em redes de relacionamento profissional, geração de oportunidades e desenvolvimento econômico.